domingo, 2 de maio de 2010

Cenas de uma tarde


“E nas minhas investigações debaixo do sol vi ainda que a corrida não é para os ágeis, a batalha não é para os bravos, o favor não é para o sábio, o pão não é para o prudente e a riqueza não é para o inteligente. Todos estão à mercê das circunstâncias e da sorte”



Cena 1
- O que a senhora acha de parar? A gente dá um descanço, umas férias para seu corpo. Seu cabelo volta a crescer, que tal?
- É... acho que eu prefiro isso mesmo.
(Ela sai, o filho volta para a sala)
- Eu não quis perguntar na frente dela... mas houve alguma mudança?
- Não, sem melhora, ela não responde.
(O filho sai)
- Mas daqui seis meses, se ela melhorar, se ficar mais forte, o tratamento continua? (Pergunto eu)
- Ela não vai melhorar. Não sei se ela durará tanto tempo.

Cena 2
(Paracentese numa jovem de vinte e poucos anos com câncer no ovário que não respondeu ao tratamento e invadiu toda a cavidade peritonial, ainda sem resposta)
- Ah! Então agora fica bom! (Aponta para o abdômem que deveria estar por volta de umas cinco vezes o tamanho normal) Ontem eu não consegui dormir,não conseguia respirar. E será se isso continua bom até sábado? Eu queria ir numa festa.
Falou isso bem, rindo, como uma pessoa qualquer que perguntava ao cabeleleiro se estava bem para ir a uma festa. Como se toda aquela situação não a incomodasse a ponto de se entregar.

Cena 3
Do lado dessa jovem estava uma senhora, rodeada pelas filhas, deitada, com a face de alguém que sentia muita dor. E as filhas falavam:
-A gente queria alguma coisa para dor, a dipirona não tá dando conta.
A menina do lado, a da cena 2, mais do que depressa respondeu:
- Buscopan, 40 gotas! Esse funciona!
- Tô vendo que daqui a pouco perco meu emprego. Brincou a médica.
Fiquei pensando que ela realmente deveria ser a pessoa com mais experiência no assunto.

Fiquei pensando e penso até agora o por quê. Por que esse tipo de coisa acontece. Por que uma senhora de cinquenta anos de repente tem menos de um semeste, ou a razão pela qual uma jovem tem parte da juventude tomada, ou ainda porque a senhora que não aguentava mais de dor, com as estatísticas dizendo que ela não passaria de seis meses estava ali a pouco mais de um ano.
Como se algum dia, de repente, toda aquela vida que você planejou desaparecesse, como se você tivesse que abreviar seus sonhos.
Eu sei, que a morte está aí, a qualquer momento, a qualquer hora, de qualquer jeito, sem mesmo que a gente espere e tenha tempo para refazer os planos.
E eu fiquei pensando, o que havia de diferente entre as pessoas que estavam andando nas ruas e aquelas ali, lutando a seu modo por um tempo a mais, eu fiquei pensando porque alguns melhoravam como mágica e outros não, ou o que fazia aquela coisa parar, ou o que fazia as pessoas continuarem.
Só mais algumas perguntas sem resposta.


Carolyne César Lima

2 comentários:

Fabiano Poswar disse...

Muito bem escritas suas cenas, Carol! A empatia é uma das grande virtudes do bom médico!

Mário Diniz disse...

É esse tipo de coisa que leva a maioria das pessoas a duvidar do acaso. Mas eu me recuso a acreditar que você seja melhor do que a moça da sua faixa etária com câncer de ovário, por exemplo. É apenas mais sortuda. E todos estão à mercê do acaso, mas o que diferencia cada um é a maneira de lidar com o que a sua sorte te oferece. Como a mesma moça que vai à festa. Você escreve brilhantemente, Carol, e eu continuo seu fã. Beijo.

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